Death e Pure Hell: black power

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Death e Pure Hell são duas bandas com inúmeros aspectos em comum, tais como serem bastante desconhecidas do público e até mesmo dos mais fanáticos colecionadores de raridades, estarem anos-luz à frente de suas épocas, serem formadas apenas por negros e possuírem uma qualidade musical acima da média, ou seja, realmente sabiam tocar!

Aproveito para esclarecer que, para mim, o racismo já deveria ter sido superado pela humanidade (embora jamais devemos esquecer as inúmeras tragédias ocorridas em função de ideias racistas). É espantoso que não tenhamos aprendido absolutamente nada com as lições do passado. Creio que a maioria dos punks igualmente não cultiva qualquer tipo de preconceito, pelo contrário, luta contra eles. Mas esse é o mundo ideal.

Por outro lado, é fato que o rock, especialmente a partir da década de 60, tornou-se vergonhosamente cada vez mais ”branco”. E isso foi refletido no punk. Não é difícil constatar que dá para contar nos dedos o número de grupos formados apenas por afrodescendentes que tenham se destacado no universo do rock’n’roll. Ok, Chuck Berry e Jimi Hendrix são ícones. Mas além deles e um ou outro artista solo ou membro de banda, no mainstream, consigo me lembrar apenas do Living Colour. E, pior, o mesmo acontece no “universo alternativo”, com o Bad Brains. Essa é a realidade.

Assim, é inevitável que algumas bandas formadas por negros tenham surgido e desaparecido sem conseguir chamar a atenção da indústria cultural, ou mesmo do mercado independente / alternativo. Os dois casos mais notáveis são do Death e do Pure Hell.

A gênese do Death

O Death é de Detroit, coincidentemente, ou não, lar do Stooges e do MC5. Portanto, um dos berços do punk. Por volta de 1971, os irmão Hackney – David (guitarra), Bobby (baixo e voz) e Dannis (bateria) – começaram a ensaiar na garagem dos pais. No início, tocavam apenas funk e soul music. No entanto, após assistirem a uma apresentação de Alice Cooper, em 1973, resolveram mudar o estilo.

Na verdade, eles já tinham uma tendência roqueira (se não, o que foram fazer num show de Alice Cooper?), já que David ouvia muito The Who. E, como qualquer roqueiro de Detroit, logo começaram a ouvir também Stooges e MC5. Não demorou para que essas influências fossem integradas à música que faziam. Quando resolveram tornar-se uma banda de verdade, adotaram o nome mais “rocker” que puderam pensar: Death. Mal sabiam que isso acabaria por emperrar seus sonhos.

Então começaram a tocar em puteiros e festas de garagem na zona leste de Detroit, onde a maioria dos habitantes era, como eles, afrodescendentes. Claro que o som extremamente agressivo para a época causou espanto. “Éramos ridicularizado porque naquela época todo mundo de nossa comunidade ouvia o som típico da Philadelphia. Earth, Wind & Fire, The Isley Brothers… As pessoas sentiam que fazíamos um trabalho diferente. Insistimos em continuar a tocar rock’n’roll porque havia muitas vozes tentando fazer com que abandonássemos aquilo”, afirmou Bobby em entrevista ao NY Times, em 2009.

Sonho frustrado

Como irmão mais velho, David era o “cabeça” do grupo e quando decidiram gravar foi ele quem escolheu, de modo aleatório numa lista telefônica, um estúdio para a empreitada. Feito o contato assinaram com a Groovesville Production. “Eu sabia que aqueles garotos eram grandes. Mas naquele tempo era duro introduzir um grupo de negros no rock’n’roll”, revelou Brian Spears, diretor da Groovesville que acompanhou as sessões.

Com a fita em mãos os irmãos Hackney foram a Nova York negociar o lançamento do disco com a Columbia, mais precisamente com um tal de Clive Davis. Foi esse executivo – que até teria gostado do som – quem exigiu que a banda mudasse de nome para fechar o contrato. E foi David, quem deu a resposta: “Não, porra!”. “Ele acreditava firmemente que poderíamos assinar com outra companhia. Éramos uns garotos valentes, mas David era o mais valente de nós”, conta Bobby.

deathvinylfinal__mediumComo não conseguissem o contrato, decidiram então lançar duas das faixas que gravaram (Politicians in my eyes e Keep on knocking) em compacto por um selo próprio, a Tryangle Records (isso em um tempo em que lançamentos independentes praticamente não existiam). As demais faixas ficariam para quando o sonhado LP se tornasse realidade, o que acabou não acontecendo.

Em 1976 (ao contrário do que muita gente pensa), as rádios de Detroit só tocavam disco music e, sem qualquer esquema de distribuição e divulgação, o compacto simplesmente não vendeu. Desiludidos e com a cabeça fervendo, os irmão Hackney foram convidados por um parente distante para passar um tempo em Vermont. Aceitaram, para tentar reorganizar as idéias. “Estamos até hoje tentando limpar nossas cabeças”, brinca Dannis.

Depois disso os caras mudaram totalmente o foco e transformaram o Death em 4th Movement, uma banda de rock gospel que chegou a lançar dois álbuns no início dos anos 80. Anos depois, Bobby e Dannis formaram o Lambsbread, grupo de reggae que se mantém em atividade até hoje e tem alguns discos produzidos por eles mesmos e gravados em um estúdio próprio.

Ressurreição

O ressurgimento do Death aconteceu por acaso. A história é bem curiosa, mesmo. Em 2008, Julian Hackney, um dos três filhos de Bobby Hackney ouviu o som do Death em uma festa e pensou ter reconhecido a voz do tio. Pediu informações sobre a banda e, intrigado, contou o ocorrido para seu irmão Bobby Jr. Daí, resolveram pesquisar na Internet sobre aquela curiosa banda. Claro que nesse universo virtual paralelo acabaram descobrindo o fio da meada.

DeathCvrDVDQuestionaram Bobby pai (lembram do desenho, Bob pai e Bob filho?) que lhes contou toda a história. Bobby Jr. entusiasmou-se mais ainda quando ouviu a fita dos outros sons gravados e iniciou a cruzada para a ressuscitar o Death. E conseguiu. O “álbum perdido” não só foi finalmente lançado, com o título … For The Whole World To See, como o grupo voltou a existir, com direito a um excelente documentário (A Band Called Death, 2012) e turnê mundial com passagem pelo Brasil. Além disso, o grupo desenterrou algumas gravações lançadas em dois outros álbuns: Spiritual / Mental / Physical e III.

Infelizmente David Hackney, o mentor do grupo, não pode participar do renascimento do Death, já que faleceu em 2000. Foi quase natural que Bobbie Jr. ocupasse a vaga. Em 2012, o Death ressurgiu com um álbum de inéditas, N.E.W., em que mostra a mesma intensidade dos primeiros tempos, embora a criatividade de David faça falta. E ainda se mantém em atividade.

O Death estava sepultado pela arrogância de um executivo sem a mínima visão de mercado; pelo preconceito contra “malucos” que não seguem estereótipos da indústria cultural; e, claro, preconceito racial também. O primeiro LP deles está no nível de MC5, Stooges, New York Dolls, Dust e muitos outros grupos da era pré-punk. Se tivesse sido gravado por garotos brancos e junkies certamente teria ido para as lojas e conquistado um espaço considerável no mundo do rock. Hoje, os tempos são outros e, ainda que tarde (muito tarde), o Death tem seu recado ouvido.

Baixe aqui For the whole world to see, com as músicas do compacto remasterizadas e as outras cinco faixas inéditas.

Puro sangue

Já o Pure Hell, também americano, foi formado em 1975 e já tinha uma atitude mais abertamente punk. Eles tocaram ao lado de gente considerada por muitos como “pioneiros” do punk, como New York Dolls, Dead Boys, Richard Hell e, pasmem, Sid Vicious (após o fim do Sex Pistols)! A formação contava com Stinker (Kenny Gordon) nos vocais, Chip Wreck (Preston Morris III) na guitarra, Lenny Steel (Kerry Boles) no baixo e Spider (Michael Sanders) na bateria.

pure hellSó que o Pure Hell era ainda mais punk! Tocavam mais pesado, mais rápido e melhor. Inexplicável terem ficado à margem da história “oficial” do punk rock. Certamente um dos fatores que contribuiu, mas não justifica, para isso foi que eles lançaram apenas um single na época, com as músicas No Rules e These Boots Are Made for Walking (um clássico pop dos anos 60, composto por Lee Hazlewood e gravado pela primeira vez por Nancy Sinatra!).

pure hell_sid copyO compacto foi lançado durante uma turnê pela Inglaterra, quando tocaram ao lado de UK Subs, por isso, chegaram a ser confundidos com uma banda inglesa. Após a turnê, eles gravaram um álbum que só seria lançado em 2004 (26 anos depois!), com o nome, mais que apropriado, Noise Addiction. A influência do glam rock da década de 70 está presente mais no visual, pois o som chega a soar hardcore em alguns momentos. Repare na música American, um petardo que se alguém disser que foi gravado recentemente por uma banda HC, ninguém duvidaria.

Grandes bandas, grandes histórias.

O incrível ... For The Whole World To See, do Death, está aqui

E o inacreditável Noise Addicition, do Pure Hell, aqui

 

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